Gravuras do Rosarium Philosophorum
Ao estudar este tratado alquímico datado de 1550, Jung confirmou a importância dada pelos alquimistas aos pares de opostos (sol e lua, irmão e irmã, mãe e filho…) e ao processo de união deles, chamado de coniunctio, simbolicamente representado pelo encontro erótico de um homem e uma mulher, ou das energias masculina e feminina.
“Ars requirit totum hominem” [a arte requer o ser humano inteiro] lê-se num tratado alquímico.
A arte, neste caso, pode ser entendida como a vida.
Os textos abaixo de autoria da psiquiatra e analista junguiana Célia Mello podem auxiliar a compreensão simbólica das gravuras recriadas por Isabela Amado.

A fonte de mercúrio
A gravura conduz ao centro do simbolismo alquímico e tenta representar o fundamento misterioso da opus (como os alquimistas chamavam a obra a ser realizada).
É uma quaternidade quadrada: quatro estrelas dispostas nos cantos, que representam os quatro elementos (água, fogo, terra, ar). A quinta estrela é a representação da quinta essentia, o elemento mais puro e essencial.
A cisterna é o vaso hermético, o útero, onde se opera a transformação. Ela é circular, por ser a matriz da forma perfeita. Seu conteúdo é o mare nostrum, a água eterna, água divina. É um mar tenebroso, o caos. No quadrado, os elementos são inimigos entre si e devem ser unificados no círculo.
Do mar emerge a fonte de mercúrio de nome tríplice (mineral, vegetal, animal). No ser humano, o aspecto tríplice pode ser entendido como espírito, alma e corpo.
O mercúrio jorra dos três canos. Acima deles, estão o sol e a lua auxiliando a transformação mística e, sobre tudo, a estrela da quintessência, símbolo de unidade dos quatro elementos hostis entre si.
A figura também mostra a serpente bífida, bicéfala, o binarius (o número dois). A serpente mercurial, que representa a natureza dupla de mercúrio. Suas cabeças cospem fogo e deste saem as duas colunas de fumaça. Dois vapores que se precipitam e, de novo, reiniciam o processo em sucessivas sublimações e destilações vão purificando os maus odores, o fedor sepulcral e o negrume da origem que lhe é inerente.
O mar representa o inconsciente em seu estado estático, a fonte, a ativação deste inconsciente e o processo, a transformação. O estágio inicial da totalidade é caracterizado por quatro direções opostas entre si (inimigas umas das outras).
Entende-se que a água da fonte mercurial sobe da cisterna e nela retomba descrevendo um circuito fechado, tal qual a serpente que se fecunda a si mesma: se mata e se devora e se faz nascer de novo.

O rei e a rainha
A figura representa o segredo da arte, ou seja, a união de sol e lua, como encontro supremo de opostos inimigos.
O rei e a rainha aproximam-se para celebrar as bodas. O aspecto incestuoso revela-se pela relação irmão-irmã de Apolo e Diana, em pé sobre o sol e a lua.
O rei, como natureza solar, e a rainha como a natureza lunar, estão vestidos. Há um cárater de reserva neste primeiro encontro. Eles se dão as mãos esquerdas, que representa o lado sombrio do insconsciente, é também o lado do coração, de onde sai não apenas amor, mas também maus pensamentos, as contradições morais da natureza humana com sua expressão nítida na vida dos afetos.
O toque da mão esquerda faz alusão à natureza impulsiva da relacão, seu caráter dúbio: amor simultaneamente celeste e terreno, incestuoso. O gesto da mão direita é compensatório.
Seguram uma figura composta de cinco elementos. Cada ramo com duas flores, dois elementos ativos (fogo e ar) e dois elementos passivos (água e terra). Do alto desce uma única flor, representando a quinta essência.
A pomba (analogia à pomba de Noé, ao Espírito Santo que traz em seu bico o ramo da oliveira, de conciliação). O pássaro origina-se da estrela da quinta essência. O culto da natureza herdado da antiguidade orientava corações e sentidos para o caminho da mão esquerda. A natureza desconhece a sujeira moral. Ela é suficientemente assustadora em sua verdade. A coniunctio não é uma união legitima, ela é por princípio, um incesto. Neste olhar simbólico, o incesto simboliza a união do ser consigo mesmo, a individuação, a autorrealização.
A situação psíquica representada na gravura corresponde exatamente ao que se chama de transferência ao longo do processo analítico. À situação convencional do início, segue-se uma familiarização inconsciente com o analista, por meio de fantasias infantis e arcaicas que antes incidiam sobre os membros da própria família do paciente e que o mantém acorrentado por fascínio (positivo ou negativo) a seus pais e irmãos.
A transferência para o analista faz com que ele entre à força na intimidade familiar.

A verdade nua
No Rosarium Philosophorum, lê-se: “Quem quiser ser iniciado nesta arte e sabedoria oculta deve libertar-se do vício da arrogância, deve ser piedoso e honrado, de espírito profundo, deve ser humano com os demais, mostrar semblante sorridente, disposição alegre e prestar-lhes homenagem. Além disso, deve observar os mistérios eternos que lhe são revelados.”
A realização da opus exige capacidades intelectuais e morais. Uma atitude semelhante à exigida na execução de um trabalho religioso, porém a gravura parece não concordar com isso.
Nela, cai o invólucro do pudor. O homem e a mulher se defrontam com a maior naturalidade. O sol (irmão) diz: “Ó lua, concede-me tornar-me teu espôso?”. A lua (irmã) responde: “Ó sol, é justo que eu te preste obediência”. A pomba traz a inscrição: “É o espirito que unifica”.
Apesar do caráter erótico da gravura, o espírito que vem de cima, o unificador, dá à situação um aspecto novo: está se fazendo uma união segundo o espírito. O contato da mão esquerda foi eliminado. O lugar disso, a mão esquerda da lua e a mão direita do sol seguram os ramos que dão origem às flores de mercúrio, e a mão direita da lua bem como a mão direita do sol tocam as flores. Ambas as mãos (do homem e da mulher) estão conectadas com o símbolo unificador.
Há agora três flores em vez de cinco, formando uma figura de seis raios, uma dupla trindade.
A situação deixou cair o manto das convenções e evoluiu para um confronto direto com a realidade, sem os véus da mentira, nem enfeites. O homem mostra-se tal como ele é, revela o que estava oculto, isto é, a sombra que, ao tornar-se consciente, integra-se ao eu, o que faz com que se opere uma aproximação à totalidade.
A totalidade não é a perfeição mas o ser completo. Pela assimilação da sombra o homem traz para o foco da consciência os instintos e a psique primitiva que, assim, não se deixam mais reprimir por meio de ficções ou ilusões.

A imersão no banho
O jorrar da fonte mercurial, cujo líquido representa a substância psíquica misteriosa, a psique inconsciente.
A fonte que jorra do inconsciente atingiu o rei e a rainha, ou melhor, eles desceram nela como num banho. Por um lado, é um banho inofensivo, mas por outro pode ser interpretado como uma invasão perigosa do mar, o inconsciente.
O espírito misterioso em forma de água começa a pegar o casal por baixo, da mesma maneira que antes vinha de cima, em forma de pomba. A imersão no mar é similar ao dissolver (solutio), tanto no sentido físico da palavra, quanto no sentido figurado de resolver um problema. É, simbolicamente, uma volta ao obscuro estado originário, ao líquido amniótico do útero grávido.
Os alquimistas falam que a pedra filosofal se forma como uma criança no ventre materno. É um ser que se basta a si mesmo, como o Ouroborus, a serpente que devora a própria cauda, que se engendra, se mata e se devora a si mesmo.
O rei e a rainha são uma maneira de representar essa dupla substância (mercurius). A água eterna é um dos numerosos sinônimos de mercúrio. A água benta, dentro da qual se prepara o nascimento do novo ser.
A rainha representa o corpo e o rei, o espírito, mas sem a alma eles não se ligam. Assim, enquanto não existir o laço de amor, a alma não está presente neles.
A pomba vinda de cima e a água vinda de baixo formam o elemento unificador. Este é o vínculo, a alma. A idéia de psique aí subentendida reflete uma substância meio corpórea, meio espiritual, um ser hermafrodita que une os opostos. Como se o indivíduo jamais fosse completo sem a relação com outro ser humano ou com o aspecto oposto de sua psique.

A coniuntio
“A cândida mulher e o rúbeo marido, unidos em núpcias, envolvem-se num abraço e, no ato conjugal, se entrelaçam, dissolvem-se por si mesmos e também buscam seu aperfeiçoamento, para que de dois que eram se tornem, por assim dizer, um só corpo”.
O verdadeiro sentido de coniuntio é produzir um nascimento que represente o Uno. A coabitação acontece dentro da água (no mar das trevas) isto é, no inconsciente. O Rosarium Philosoforum diz: “Na hora da conjunção aparecem os maiores milagres. Este é o momento da concepção, do filius philosophorum, isto é, da lapis. A nova luz é por eles gerada.”
E Senior diz a mesma coisa: “Ela deu à luz um filho que em tudo servia aos genitores. Mas ele é mais brilhante e mais luminoso", isto é, seu brilho é maior do que o do sol e da lua. Sol e lua são dois vapores que se desenvolvem pouco a pouco sob ação do fogo, cuja intensidade aumenta pouco a pouco e que se elevam como que levados por asas, da matéria inicial à decocção e à digestão.
A coniuntio deve ser contemplada como a união que, no plano biológico, é símbolo da união dos opostos em seu sentido mais elevado.

Philosophorum - fermentatio
Sol e lua aparecem dentro d'água, mas os dois tem asas.
Representam seres do ar ou do pensamento. Sob ação do fogo que aumenta gradativamente elevam-se os vapores, como que levados por asas. Da matéria inicial, à decoção e à digestão. Por essa razão, o par de opostos é também representado por duas aves lutando entre si ou por um dragão alado e outro sem asa. Grande número de alquimistas calculam a duração da realização da obra ao tempo de uma gravidez.
Trata-se de uma solução em ebulição, na qual duas substâncias se tornam uma só. A coniuntio, a união no plano biológico deve ser contemplada simbolicamente como a união de opostos em seu sentido mais elevado.
Nesta gravura, desaparece o gesto das mãos segurando o símbolo unificador. É que, nesse instante, o significado do símbolo é realizado: os próprios parceiros tornaram-se o símbolo (o que integra).
O axioma de Maria se realiza (a passagem progressiva do quatro para o três, para o dois e o um). Nessa unificação, o Espirito Santo desaparece, mas em compensação, os próprios sol e lua tornam-se spiritus. Isso significa uma união em identidade inconsciente, que se poderia comparar ao estado primitivo e originário do caos ou da massa confusa, ou melhor, ao que se chama de participation mystique.
A coniuntio se diferencia desta só pelo fato de não ser um estado inicial natural, mas o produto de um processo ou a meta de um esforço.
À semelhança do trabalho alquímico, paciência e lentidão são indispensáveis no trabalho do terapeuta para a elaboração atenta dos sonhos e dos demais conteúdos do inconsciente. O que o analista não suporta, o paciente também não vai suportar. Por isso é importante que o analista tenha um conhecimento real e não simples opiniões à respeito.

A morte - Philosophorum Putrefactio
O que antes era um vaso hermético (fonte e mar) torna-se sarcófago e sepultura. O casal está morto. Fundiram-se num ser bicefálico. Depois da festa da vida vem o lamento da morte. Após a união de opostos há uma estagnação semelhante à morte. A imagem representa a putrefação, a decomposição de uma estrutura que até então era viva, mas simultaneamente denomina-se conceptio, ou concepção.
"A destruição de um é a geração de outro". Esta morte é um estado intermediário ao qual se seguirá uma nova vida. "Não há vida nova que possa surgir”, diziam os alquimistas, “sem que antes morra a velha. Como o semeador que introduz a semente na terra, onde ela morre, para despertar para uma vida nova”. O cadáver já é um corpo novo, um hermafrodita (união de Hermes-Mercúrio com Afrodite-Vênus).
O casal, simbolicamente representando o espírito e o corpo, está morto, e a alma deles separa-se numa grande aflição. "Aqui, o sol tornou-se negro". A nigredo (fase alquímica) é sempre associada à escuridão do sepulcro e ao Hades, o submundo.
Esta coniunctio, por ser um incesto, foi culposa e deixa vestígios de impureza. Trata-se de uma “obra contra a natureza”. No ser humano, os instintos não estão em harmonia uns com os outros: exercem violenta pressão uns sobre os outros tentando eliminar-se reciprocamente. Mas esta luta busca uma ordem superior.
Para os alquimistas o artífice da obra é e não é o servidor, mas a natureza que a leva à perfeição. Isso exige vontade e saber por parte do ser humano. Para a alquimia, a morte significa ao mesmo tempo a concepção do filius philosophorum. Este filho gerado pelo incesto, prerrogativa de reis e deuses, é o homem novo.
Em linguagem da psicologia: a união do consciente com o inconsciente gerando uma nova personalidade que compreende esses dois componentes.

A ascenção da alma
Prossegue a putrefactio. Tudo se decompõe e a alma se eleva para o céu. Uma única alma se separa dos dois seres. O um (fruto da integração de dois) é a sua forma renovada, ainda não realizada, mas já concebida.
A alma concebida como uma ideia da unidade, que ainda não se transformou em realidade concreta. Esta fase corresponde, psicologicamente, a um estado obscuro de desorientação. Desagregação dos elementos, isto é, dissociação e dissolução da consciência do eu, tal como até então existia.
Pode haver uma analogia a um estado esquizofrênico.
Do ponto de vista psicológico, Eé neste momento que o inconsciente coletivo vem à consciência, que as psicoses latentes podem tornar-se agudas. Este período de desintegração e desorientação da consciência pode durar muito tempo e é uma das passagens mais difícieis do tratamento analítico, pondo à prova a paciência, a coragem e a confiança em um ser superior, tanto do analista como do paciente.
Os tormentos do processo alquímico acontecem neste estágio.
O ser subjugado pelo inconsciente se compara a uma inundação do Nilo, que aumenta a fertilidade do solo. “Ó natureza tu és bendita e bendito é o modo como operas, pois tornas perfeitas as coisas imperfeitas, graças à verdadeira putrefação que é negra e obscura. Após o que tu fazes germinar, as coisas novas e variadas, e com o teu verde fazes aparecer as diversas cores".
A nigredo faz um paralelo com o descrito em a Noite Escura da Alma, poema escrito no século XVI, pelo poeta espanhol e místico cristão São João da Cruz. O homúnculo como apresentação da alma, fala do estado preliminar do hermafrodita. Jung faz alusão ao arquétipo do nascimento da criança divina ou o nascimento do homem interior.

A purificação - mundificatio
O orvalho caindo é um sinal do nascimento divino vindouro. O alvejamento (fase alquímica denominada albedo) é comparado com o nascer do sol, a luz que surge após as trevas, a iluminação após o obscurecimento (nigredo).
O orvalho constitui uma intervenção divina; ele é a umidade anunciando o iminente retorno da alma. A mundificatio (purificação), significa a eliminação de tudo o que é supérfluo, a elaboração da idéia.
Parece que os alquimistas perceberam o perigo de a realização estagnar no âmbito de uma determinada função da consciência. A opinião deles era de que a realização da obra não se fazia só com trabalho de laboratório, com leitura de livros, meditação e paciência, mas que dela também fazia parte o amor.
Uma atitude mais justa para com o inconsciente e para com o outro não pode depender unicamente do conhecimento, se este consistir apenas em intelecto e intuição. Faltariam os valores, o sentimento e também a realidade, a sensação.
Após a ascensão da alma que abandonou o corpo nas trevas da morte, sucede uma enantiodomia, quando uma força extrema se inverte em seu oposto para criar equilíbrio: da nigredo segue-se o albedo.
O negrume, ou estado inconsciente, produzido pela união de opostos, atinge seu ponto mais profundo que é, ao mesmo tempo, seu ponto de reversão. O orvalho caindo anuncia o retorno à vida e uma nova luz. A descida a regiões cada vez mais profundas do inconsciente converte-se numa iluminação vinda de cima. Ao desaparecer com a morte, a alma não se perdeu. Ela foi constituir no além um pólo de vida oposto ao estado de morte neste mundo.
O orvalho é sinônimo de aqua permanens ou aqua sapientiae, ou seja, a iluminação que se produz quando se dá sentido a algo.

O retorno da alma
Voando, a alma, desce do céu. É ela que unifica os opostos para dar nova vida ao cadáver.
Os dois pássaros ao pé da figura representam a alegoria do dragão com asas e sem asas; ou do pássaro que já aprendeu e do que ainda não aprendeu a voar. Trata-se de uma alegoria da dupla natureza do mercúrio: ctônica (relacionado às profundezas) e pneumática (relacionado ao ar).
A alma que desce do céu é idêntica ao orvalho, aqua divina. A própria água é coroada.
O alquimista procede da mesma forma que o inconsciente na escolha de seus símbolos: cada idéia tem uma expressão positiva e uma expressão negativa. Descrevem o caráter indeterminado, ou melhor, a multiplicidade de sentidos do arquétipo que representa uma verdade simples, mas que só pode ser expressa por um grande número de imagens.
A insuficiente discriminação entre corpus e spiritus vem neste caso ao encontro da hipótese de que o corpo, graças à mortificatio e à sublimatio que precederam, assumiu uma forma quintessencial, isto é, espiritual, sendo um corpo puro que já não se distingue tanto do espírito, podendo hospedá-lo, trazendo para baixo, para junto de si.
Na alquimia, a purificação se faz por meio de uma múltipla destilação. Na psicologia, por meio da separação radical do ser humano comum de todas as interferências inflacionárias do inconsciente. Trabalho que exige minucioso exame de consciência e autoeducação. Aquele que o consegue, está em condições de transmiti-lo aos outros. Como mostra o simbolismo alquímico, esse processo é ímpossível de ser vivenciado sem uma relação com um parceiro humano, daí a relação analista - analisando.

O novo nascimento
Trata-se de uma apoteose da rebis, a união dos opostos. Masculina à direita e feminina à esquerda.
Ela se encontra de pé, sobre a lua, o equivalente ao vaso lunar, o vaso hermético. Suas asas indicam volatidade, espiritualidade. Em uma das mãos, segura um recipiente sagrado com três serpentes ou uma serpente tricefála. Na outra mão, uma única serpente (referente ao axioma de Maria, ao dilema do três e do quatro e ao mistério da Trindade).
As três serpentes no cálice representam o homólogo ctônico da Trindade e a serpente única, a unidade das três (segundo Maria Prophetissa). Também representa a serpente de mercúrio (significando o espírito, a volatilidade, a transformação e a comunicação entre mundos).
O corvo, à esquerda da rebis, evoca satanás ou os pecadores. À direita, a árvore dos sóis e das luas, a árvore filosófica, representando o equivalente consciente do processo do inconsciente do vir a ser indicado do outro lado.
É espantoso que a tão esperada meta do trabalho alquímico seja concebida sob a forma de um símbolo tão monstruoso. Já entendemos que a razão principal da monstruosidade de seu símbolo é a natureza paradoxal da meta.
Podemos concluir que a perfeição da obra (perfectio opus) conduz à idéia de um ser extremamente paradoxal, que desafia toda a abordagem racional. No entanto, tal desfecho da obra é inevitável, uma vez que a complexio oppositorum (união de opostos) não pode deixar de levar a uma incompreensível paradoxalidade.
Em termos psicológicos, isto significa que a totalidade do homem só pode ser descrita por meio de antinomias (contradições entre duas afirmações ou princípios).
Poderíamos comparar tal resultado à natureza corpuscular e ondulatória da luz, a qual, à primeira vista, parece igualmente paradoxa.
A theoria da alquimia é essencialmente uma projeção de conteúdos inconscientes, ou seja, das formas arquetípicas, inerentes a todas as modalidades da fantasia em seu estado puro, tais como as encontramos nos mitos e lendas e também nos sonhos, nas visões, nos delírios dos indivíduos.
O papel preponderante desempenhado no plano histórico pela hierosgamos, a união simbólica entre dois princípios opostos e complementares, e pelas bodas místicas, como também pela coniuntio dos alquimistas, corresponde ao significado central da transferência no processo psicoterapêutico e nas relações humanas normais.
